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quarta-feira, março 15, 2006
Dois mundos (você escolhe o seu)
de Paulo Polzonoff A primeira vez que percebi a diferença entre o mundo em que vivo e o mundo retratado pelos jornais foi numa segunda-feira. O tema das páginas do jornal, como não poderia deixar de ser, era a violência. Eu não me canso de ficar impressionado com o fato de viver numa cidade de cinco milhões de habitantes onda nada de bom acontece. É só tiro para lá, tiro para cá. Se o jornal servisse de espelho, duvidaria com uma imensa falta de educação da minha própria sanidade mental. Afinal, só um idiota moraria numa cidade assim. Como eu dizia, a primeira vez que percebi que meu mundo era outro foi numa segunda-feira. Acordei, peguei o jornal na porta e li no alto da página que um tiroteio na rua Dias Ferreira levara pânico aos moradores do Leblon. Lendo a reportagem, descobri que o tal tiroteio aconteceu ao meio-dia, na esquina do Belmonte. Uau! Eu deveria acreditar no jornal, no pânico, no tiroteio, na violência, na angústia e no medo. Mas… Mas eu estava na Dias Ferreira por este horário. Não era meio-dia, mas era algo como meio-dia e quinze. Ou meio-dia e dez. Enfim, era muito próximo do meio-dia. Como todos os domingos, fui tomar café na Livraria Argumento, que fica a uma quadra do Belmonte. Estacionei o carro na esquina onde, me diria o jornal no dia seguinte, acabara de ocorrer um tiroteio. Desci do carro e o guardador, com o sorriso de sempre, veio abrir a porta para minha mulher. Na rua, poucas pessoas, como é de praxe num domingo de sol. Nenhum pânico. Daí eu me lembrei de quando morava em Curitiba e assistia nos telejornais às notícias da violência no Rio de Janeiro. Seqüestros, assaltos, assassinatos, tiroteios. Eu me perguntava, sem esconder certa indignação, como alguém pode morar numa cidade assim. Tampouco entendia por que as pessoas insistiam em comprar carros importados numa cidade tão violenta. E, na minha doce e capiau fantasia, imaginava as noites do Rio de Janeiro desertas, com as pessoas trancadas em casa, em pânico. Qual não foi minha surpresa ao, na minha primeira noite no Rio de Janeiro, voltar para casa dentro de um carro importado, às duas da manhã. Era uma noite quente e Copacabana estava apinhada de gente. Fiquei fascinado pelo pessoal que, àquela hora da madrugada, jogava futebol na areia iluminada. Sem falar nos turistas que andavam pelo calçadão, curtindo a brisa do mar. Não quero dizer, com isso, que a violência não existe. Ela existe, sim. Não quero dizer, com isso, que as favelas são paraísos e que os subúrbios são ilhas de tranqüilidade. Nada disso. Não quero tapar o sol com a peneira nem posar de alienado que não sou. Só quero dizer, com isso, que o mundo das notícias é pior do que a realidade. Muito pior. Vivemos num país que curte uma miséria, não só financeira, mas principalmente de espírito. Por algum motivo, os editores não querem mais saber de histórias verdadeiramente interessantes. Eles preferem a violência, naquela repetição exagerada que banaliza. Escrevo este texto porque esta semana tive mais uma destas impressões de que o Rio de Janeiro dos jornais é muitíssimo pior do que a realidade. Ao abrir o jornal na segunda-feira (sempre ela), me deparo com a notícia de que, no domingo, fez quase 40 graus. Ora, disso eu já sabia, porque eu estava na praia. Como sou muito branco, fico escondido debaixo do guarda-sol (que aqui chamam de barraca), me lambuzando de bronzeador o tempo todo. E comendo queijo coalho (que o jornal, diga-se de passagem, faz campanha para proibir) e bebendo uma cervejinha. O detalhe é que a notícia não fazia menção apenas ao calor. Ela dizia, sem sutileza alguma, que havia sido um domingo tumultuado. Que várias irregularidades na praia haviam atrapalhado o domingo de sol do carioca. A lista de irregularidades? Um carro estacionado em local proibido, um homem acusado de tráfico de maconha no Arpoador, o coitado do queijo coalho e uma barraquinha de cachorro-quente sem licença. Ora, estas coisas são capazes de tumultuar o domingo de praia de alguém? Será que as dezenas de milhares de cariocas que estavam na areia realmente sentiram que aquele dia foi uma porcaria por causa destas coisas? É claro que não. Mas parece que os periódicos perderam o fio da meada. E não são só os desta cidade. Cito manchetes locais porque eu moro aqui. Os repórteres não estão interessados na felicidade das pessoas na areia. Não há tempo para se caçar histórias interessantes num domingo de praia. Na corrida pela verdade a ser retratada no dia seguinte, opta-se pelo óbvio: um erro aqui, um erro acolá. Logo, tem-se um tumulto. Adiante, tem-se um pânico. É assim que a gente vai retratando um mundo que, se não é dos melhores, tampouco é este inferno que insistem em nos enfiar goela abaixo. Dito isso, lembro-me de uma entrevista com o roteirista e diretor do filme Simplesmente Amor (Love Actually). Ele dizia que resolveu fazer o filme porque percebeu, a despeito de toda a brutalidade pós-11 de Setembro, que vivemos num mundo onde o amor é que impera, e não o ódio. Sei que parece piegas, mas não é. Se pensarmos em nossas vidas, não vamos encontrar terrorismo ou ódios em larga escala; vamos encontrar, isto sim, carinho pelas pessoas queridas e aquele desejo de ser feliz, comum a todos. Quando pego o jornal e vejo todas aquelas notícias sobre assaltos, seqüestros e tiros, penso algo similar. Que, para muito além desta violência há pessoas que tocam a vida felizes e com honestidade. E há uma cidade linda, cheia de coisas boas que, infelizmente, não têm a honra de figurar no jornal. |
3 Comments:
Silvia Chueire said...
É isso ! : )
Abraços,
Silvia
li stoducto said...
tb acho, silvia! ;)
Anônimo said...
É isso mesmo! Vc disse muito bem o que eu não saberia expressar sem me perder pelo caminho.
Sucesso pra todos aqui.
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