terça-feira, março 21, 2006
Gostosa
Semana anterior ao Carnaval. Ela vinha saindo do prédio onde trabalha, no centro da cidade. Ás voltas com contatos profissionais, preocupações, concorrentes, queria ir pra casa, relaxar. Deixando o hall dos elevadores, climatizado por um eficiente ar condicionado, esbarrou na umidade e calor fora do edifício. Apesar da hora, ainda fazia sol, o horário de verão faz os dias terminarem ainda mais tarde. O Rio, no verão. Sol a pino. Dias muito bons, para quem está de férias. Para ir à praia tomar sol, mergulhar no mar , um chopp depois. Ah... As delícias das férias. Mas para trabalhar é um inferno só. Quente! Voltando ao assunto: saía para um calor do Saara e se lembrou que havia por perto uma lojinha simpática de roupas femininas. Ocorreu-lhe passar por lá. Talvez tivessem um vestido de verão interessante. Eles tinham bom gosto, e ela gostaria de um vestido de verão. Bem leve, sem mangas, tinha já uma idéia. Dirigiu-se à loja que era dois quarteirões mais abaixo, tentando não se deixar incomodar pelo calor . Entrou na loja e disse à vendedora o que queria. Com um sorriso, ela entregou-lhe uns três modelos diferentes, que se dispôs a provar. Um deles lhe chamou a atenção em especial. Tinha um estampado que não está muito na moda, mas do qual gostava muito. Era azul-piscina com umas flores em fúcsia e branco espalhadas. De fato, dos três foi o que mais lhe caiu bem. Estava bronzeada do sol do fim de semana anterior, a pele contrastava com o azul do vestido. Olhou-se no espelho, a cor estava bem, o decote era generoso, havia um babado pequeno, discreto, em torno do “V” que o formava na frente e nas costas. O tecido leve, macio. Ficou quase totalmente satisfeita com o que viu, não fosse pelo fato de que o vestido estava mais justo do que deveria. Olhou desesperançada o avesso, à procura de sobra nas costuras que lhe permitisse mandar alargá-lo um pouco. Nada.... Nenhuma sobra nas costuras. Desanimada saiu da cabine, roupa já trocada, com os vestidos nos braços, e dirigiu-se à moça que a atendera.
- Uma pena, esse vestido azul, o que mais gostei, não vou poder levar, está muito justo.
- Como assim? A senhora tem certeza? perguntou surpresa. Esse tipo de vestido é mais justo mesmo.É o modelo. Porque a senhora não o veste de novo, e olha melhor? Depois venha ver neste outro espelho aqui, ó. E acompanhou-a até a outra cabine, um pouco mais ampla. Tendo gostado tantodo vestido, quis tentar novamente.Quem sabe? Chamou-a depois de vesti-lo.A vendedora, poucos segundos depois estava à porta da cabine.
- E então? Está bom? perguntou , abrindo a cortina de fora a fora. - Você vê? Está apertado aqui, marca o bumbum, disse desalentada apontando os quadris. Afinal, pensou, não fica bem, uma senhora da minha idade, profissional séria, mãe de família, usar um vestido assim: uma cor chamativa, decote exagerado, e ainda por cima justo desse jeito. Olhou para o espelho, parecia mais jovem. Além disso, era um vestido confortável, apesar de justo, leve e fresco como desejava. A vendedora sorriu e disse: - Mas, ele está lindo na senhora! A cor combina com o seu cabelo louro, seus olhos azuis, e depois, ele é pra ser justo mesmo.
Olhou para ela, já em dúvida. Tanto que gostaria de levar o vestido. Apesar de um tanto justo, ele não ficava mal, apenas me pareceu impróprio. Estaria sendo muito rigorosa?
- Tem certeza? Você não acha muito justo pra mim, uma senhora?
Ela novamente estendeu seu largo sorriso:
- Que nada, está lindo! Além disso, estamos no verão, época de roupas coloridas. Acho que a senhora devia comprar. Todo mundo adora este vestido! Ele é, como eu digo, “vestido de gostosa”. O que é que tem ser um pouco justo? O que é bonito é pra se ver, pra se mostrar. O sorriso estampado no rosto.
Aquele foi o apelo de marketing mais bem feito que ela já tinha ouvido. Sorriu internamente, um ”vestido de gostosa” era uma tentação para uma mulher já nos 40 e poucos anos . Uma escapada à seriedade e circunspecção que a atividade profissional exigia. E uma espécie de teste, os homens ainda olhariam? Sorriu novamente, achando que sim. Seu amor próprio agradecia. Este pensamento foi o que bastava.Estava comprado o vestido! Afastou-se dali com a sacola da loja nas mãos, sorridente.Lá ia ela pela rua levando o seu “vestido de gostosa”, quem diria. Sentia-se como a roupa que comprara: leve, fresca, renovada.
Gostosa ! Ouviu um rapaz murmurar-lhe ao passar pela calçada.
Silvia Chueire
dito por Silvia Chueire
home
|
2 Comments:
li stoducto said...
preciso de um vestido desses para este calor, ainda senegalesco, apesar das águas de março, silvia! :)
adorei!
spersivo said...
Gostosa!S.
Postar um comentário