domingo, março 26, 2006
amarelinho
pois, é. foi no amarelinho. sabe? existe ainda? a gente saía do jornal e ficava lá olhando, escutando o choro de alguém com amor em crise ou assistindo a um namoro novo em versos perpetrados nos guardanapos da mesa. as conversas eram sempre as mesmas, cotidianamente iguais, ou noturnamente semelhantes ou suturnamente cancerosas. entornava no chão, caía pela beira das mesas, como cascatas, a conversa empastada e ébria de quem desejava apenas esquecer o dia suado, cansado, batido, as rotativas, os telex, os telefones... ah! sim sou deste tempo. quando saí de jornal as redações acabavam de ser informatizadas os repórteres eram paridos por algum release e os editores, em extinção, faziam política de sobrevivência. os redatores e revisores tiveram sua morte decratada pelos corretores ortográficos dos softwares.
mas foi no amarelinho que aconteceu o que contava e conto. neste final de expediente estava sozinha, pensava se comia algo ou ia para casa ver o filho e seus deveres escolares, quando sergio falcão chegou. ah, já estava em definitivo na heroína. andava armado, olhava para os lados pois sentia-se perseguido. trazia com ele uma linda morena, alta, destas de fazer babar o mais desinteressados dos homens. a morena brilhava em apetrechos, bem maquiada, e a ela fui apresentada como seu novo amor.
ora, não é que serginho encontrara uma mulher bonita, de conversa agradável e que, talvez, o afastaria das drogas? - quem o afastou foi uma tuberculose que ele não soube explorar para fazer poemas- a conversa corria agradável, mas estava com fome e ainda não resolvera se jantava em casa uma omelete au fine herbs que, certamente, rudi faria. - explico: rudi era um amigo holandês que todo final de tarde procurava os ovos de ganso que haviam sido guardados da postura de agosto e , com eles, preparava divinas omeletes au fine herbs. - com ovos de ganso ficam mais saborosas. por que, não sei.
irresoluta deixei o tempo passar, embalado pelas juras de amor dos dois e pela pouca participação que naturalmente teria no evento. mas a noite refrescava, e um relaxamento bom do estresse do dia acalmava meus músculos. outros amigos chegaram. mas não se dirigiram à minha mesa. enfim, uma brisa acordou-me de vez. despedi-me do casal, despedi-me dos amigos que chegavam e perguntei porque não foram para a mesa comum.
tá doida? quem é aquele cara que está com o felisberto? quem, onde, quando?, foi minha indagação aflita. a morena com quem você conversava, quem é o cara com ele? olhei para o casal que se retirava selando com um prolongado beijo na boca o encontro. aquele é serginho que me apresentou a namorada!que namorada nada, caíram na minha pele, o maior traveco da lapa!
uma coisa aprendi naquele dia; que na lapa, traveco, prostituta, gays se respeitam, ninguém invade território de outro para tirar a freguesia . e que serginho, mais uma vez, ele que não era gay, experimentava o indizível.
ah, amarelinho! onde o preconceito cantava um tango e verdes palavras escorriam como vômito pelas mesas e empapavam o chão.
dito por Esther Lucio Bittencourt
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2 Comments:
Silvia Chueire said...
Eita! tu também? Oba!
Se precisar de algo meu, eu tenho, viu? É só vc avisar. : )
Beijos,
Silvia
li stoducto said...
Uau! Achegue-se dona Estherzita! ;)
beijão
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