terça-feira, abril 04, 2006
Convívio a céu aberto
Impressões de um paulista sobre o passeio público carioca
Por Thadeu Melo
O lugar onde mais me sinto um paulistano no Rio é na rua, no passeio público. E aqui essa designação para calçada faz muito mais sentido. Claro que aqui "passeio público" é uma expressão antiquada tanto quanto em São Paulo, que já adquiriu outro sentido no idioma brasileiro. Mas a calçada , antes de ser um lugar por onde as pessoas passam, é um espaço onde as pessoas estão. Inteiramente. Não apenas se locomovendo. Mas a passear, passar, caminhar, ir de aqui pra acolá sem muito objetivo de chegar, aproveitando o estar por ali. Ainda que seja para olhar vitrines, conferir um barulho, uma muvuca, um artista. Ou simplesmente estão na rua, assustadoramente à vontade, como um paulistano em uma praça de alimentação de shopping. Como um caipira em uma praça do interior. Parados ou flanando, estão ali, encostados num poste, em atitude nada suspeita, sentados num banco na calçada, que aqui existem muitos. Reunidos em plenária de porteiros, de madames, de bad boys, pés-sujos, jogadores de dominó e até de gamão!
E estando todos, ou muitos – porque grande parte noiada também não sai do carro –, ali se percebe um outro clima social. Uma outra dinâmica de contato entre os seres humanos, a qual se reproduz em outras instâncias de convívio. Você está aqui, eu também, estamos no mesmo espaço, a qualquer momento podemos comentar qualquer coisa que se nos pareça merecedora. A violência do charme da mulata, a beleza do crime sem vítimas, a escrotidão do Globo Repórter, os fantasmas dos nativos que perambulam pela praia ou pela lagoa, supérfluos em geral. Desenrola-se um bate-papo a necessidade do estabelecimento do contato. O contato existe e é anterior ao encontro. O compartilhar do passeio já é um ponto comum a todos.
Facilmente se percebe um paulistano nesse contexto. Porque lá não existe o espaço a céu aberto. Sim, existe, claro, mas é uma parcela da cidade muito menor que no Rio. As coisas lá acontecem indoors quase sempre. Na rua não há espaço para aglomerações. As praças que existem estão quase sempre vazias. Os parques reproduzem essa mesma estrutura psíquica paulistana. O ser humano não compartilha o ambiente natural, não há praticamente nenhum elemento natural na paisagem, o skyline é um evento distante do pedestre, ocorre no alto, lá em cima, dificilmente na linha do horizonte.
É por isso que um paulistano nas ruas do Rio sempre dá pala, dá bandeira. Ou está freneticamente se deslocando de um lugar a outro, ou rigidamente passeando ou vagarosamente a observar deslumbrado. É batata! Nunca consegue passar aquele ar desleixado de embriaguez permanente tão típico dos seres humanos daqui.
A descontração a céu aberto é uma característica que o ser que habitou a capital paulista por muitos anos tem de desenvolver aos poucos. E o faz muito bem, pois sabe aprender. Passear no Rio é uma lição gostosa que todo paulistano deve experimentar. Você fica mais conterrâneo aprendendo estar carioca, deixando enebriar-se pelo espírito ancestral do passeio público, do andar pelas calçadas.
dito por Silvia Chueire
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2 Comments:
Silvia Chueire said...
Gosteu deste texto. Do olhar para algo que nunca prestamos atenção, em meio às diferenças. POr isto o trouxe.
Parabéns, Thadeu!
Beijos,
Silvia
li stoducto said...
Também gostei, Silvia!
Parabéns, Tadeu! :)))
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