sexta-feira, julho 21, 2006
Carnaval - III
(um entrever)
Enfunam-se as velas da nau erguida e orgulhosa sobre o caminhão do desfile, no carro alegórico. Piratas de seios à mostra, índias vestidas de penas de pavão- navegadores, cabrais e colombos, seguem-nas encantados e mostram suas fantasias, vaidosos e alegres, à multidão. Alinham-se no asfalto, nobres e plebeus , palhaços e africanos, baianas e porta-bandeiras, que dançarão o sonho deste ano. O sonho que muitos ainda não sabem.
Tudo principia num canto repetido do samba mais famoso da escola , sem o auxílio da bateria. À capella, a escola inteira canta emocionada. Depois vem o canto ritmado do samba do ano, ainda sem a bateria. Acompanham-nos apenas cavaquinho, violão e uns tamborins, e a voz do "puxador" do samba no carro de som.
Tudo que parecia finito e calmo agora estremece na excitação que surge nas vozes e nos olhos. fogos de artifício. De inopino o grito de guerra : explóóóóde Salgueeeeeiiiro... ! ouve-se muito alto e muito longe o eco. Ouve-se na alma pasma de repentino amor. Mesmo para os apaixonados de longa data , a renovação do amor, da paixão.
Fogos de artifício.
E entram todos os naipes da percussão, absolutamente afinados, ao mesmo tempo : pam-pam ,pampampam-papapapapapapam, disparados ao encontro de todos os corações, de todos os estômagos, de todas as artérias, que inocentes esperavam mais ou menos alinhados, entre brincadeiras , cervejas , risos, e ajeitar na última hora as fantasias.
Um espanto, um arrepio! A vida injetada nas veias musicais e a certeza de que ali começa a nossa luta pela vitória. Que depende de todos e de cada um de nós. Todos igualados pela paixão, repentina ou não. Todos sabemos que a escola tem que ganhar. Corpos, vozes, quadris, sorrisos , a afinação mais perfeita. O frisson sob controle, precário controle, na linha limite.
A serviço da vitória somos todos transformados em atletas, em soldados - como deviam ser os soldados- em putas e vagabundos, em passistas e malandros, no entusiasmo de construir o desfile sambando pela avenida ao encontro do público- nosso público- dos jurados, e da vitória.
Cada requebro , cada face esplendorosa, cada pessoa a carregar um chapéu como se não pesasse. Cada quadril que requebra , cada voz, cada mover ágil dos pés como nunca o fizemos na vida, no chão ou nos carros alegóricos, cada um vencerá no final, terá dado tudo de si. A bateria da escola tocando nas nossas almas, em nossas artérias. Ali somos apenas ritmo, canção, impulso e uma imensa alegria de viver.
Ah..mal sabem os que assistem aquilo que parece ser apenas repetição, que o espetáculo não é deles, nem para eles. É nosso, só nosso! Com eles somos apenas generosos, porque nesta hora generosidade não nos falta e nossa escola precisa ser campeã.
Silvia Chueire
dito por Silvia Chueire
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2 Comments:
dade amorim said...
a bateria arrasta e transforma todo mundo em passista, mesmo quem não está nas alas da escola. muito boa a descrição desse momento, Sílvia. Beijo.
Silvia Chueire said...
Obrigada, Adelaide. : )
Beijos,
Silvia
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